Um papo aberto sobre ética no desenvolvimento de produtos digitais
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que projetas
Designers criam produtos que solucionam problemas, ajudam e estão presentes na vida de diversas pessoas. Muitas vezes, modificando comportamentos e a forma como elas interage, seja com uma tela, seja com um artefato físico.
Entender as pessoas para projetar essas soluções, é algo muito difundido em toda indústria de produto. Dentro desse entendimento e da complexidade de cada ser-humano, precisamos pensar em nossa responsabilidade ao projetar algo, e nas consequências e impactos que esses produtos trazem na vida das pessoas, indo além das necessidades do negócio/usuário.
A saúde da internet está, cada vez mais, comprometida. Encontramos e usamos, diariamente, produtos que deixam as pessoas ansiosas, desconfortáveis, estimulando o consumo excessivo, a assinatura de listas e newsletters que não querem e que prejudicam sua autoestima.
Além disso, temos casos mais complexos e conhecidos como, por exemplo, o escândalo de dados do Facebook e a Cambridge Analytica, hóspedes com “nomes negros” sendo discriminados no Airbnb, Uber manipulando o comportamento de usuários e o algoritmo do Twitter priorizando fotos de pessoas brancas.
O quanto, nós designers, que ajudamos a projetar soluções, somos responsáveis por isso? E o que podemos fazer para minimizar e corrigir esses problemas?
O problema inicia quando o pensamento do produto está voltado não para uma experiência agradável para o usuário e focado na resolução do seu problema, mas sim, e apenas, para gerar vendas, números e conversão para o cliente. Não há como falar de experiência do usuário, da inserção dele no processo de criação, se, na prática, estamos querendo enganá-lo ou apenas pensando em seu dinheiro. E, se o projeto em que você participa pede isso, pode ser a hora exata de explicar para o cliente/chefe como essa prática é prejudicial para o produto dele.
“Pessoas ignoram o design que ignora as pessoas.”
– Frank Chimero
O caso agrava quando o projeto utiliza Dark Patterns para obter resultados. Ou seja, quando faz uso de armadilhas de interface para fazer com que o usuário faça algo que ele não faria naturalmente. Elas não são interfaces mal desenvolvidas ou com problemas de usabilidade por descuidos de UX, mas sim pegadinhas propositais para induzir o usuário ao erro. Muitas vezes utilizando de heurísticas para isso.
É possível conferir alguns exemplos nesse perfil do Twitter: https://twitter.com/darkpatterns
Falar de ética em processos de design e desenvolvimento de produtos digitais ainda é algo muito subjetivo. A princípio é estar de acordo com os valores éticos da empresa em questão, transmitir isso no projeto e ter o desejo do usuário no centro de tudo. No entanto, o designer e desenvolvedor Aral Balkan criou um manifesto onde ele apresenta a base para um desenvolvimento de produto mais ético e humano.
Da base para o topo, os 3 pilares que Balkan apresenta são:
Direitos Humanos
“A tecnologia que respeita os direitos humanos é descentralizada, ponto a ponto, conhecimento zero, criptografada ponta a ponta, livre e de código aberto, interoperável, acessível e sustentável. Ela respeita e protege suas liberdades civis, reduz a desigualdade e beneficia a democracia.”
Esforço Humano
“A tecnologia que respeita o esforço humano é funcional, conveniente e confiável. É atenciosa e complacente; não arrogante ou exigente. Ela entende que você pode estar distraído ou com deficiências físicas. Respeita o tempo limitado que você tem neste planeta”.
Experiência Humana
“A tecnologia que respeita a experiência humana é bela, mágica e encantadora. Simplesmente funciona. É intuitiva. É invisível. Ela passa para o segundo plano de sua vida. Isso te dá alegria. Ele te dá superpoderes. Isso coloca um sorriso em seu rosto e torna sua vida melhor.”
Sendo mais prático e específico com o design digital, há ótimos pontos listados pelo projeto Humane by Design que podem nos nortear em como desenvolver um design mais ético e humano. O projeto é incrível e categoriza práticas de design de sete formas. De acordo com eles o design precisa ser: empoderador, finito, inclusivo, resiliente, respeitoso, pensativo e transparente. Cada uma delas traz exemplos práticos como:
01 — Dar as pessoas o controle que precisam para gerenciar algoritmos que moldam suas experiências, privacidade e seu anonimato;
02 — Dar aos usuários uma maneira de carregar explicitamente mais conteúdo, minimizando ou retirando o uso da rolagem infinita;
03 — Formar equipes diversas. Equipes homogêneas criam designs estreitos e equipes com experiências diversas criam designs mais inclusivos;
04 — Cuidado com a urgência. Nem toda notificação é urgente. O método pelo qual entregamos uma notificação deve estar de acordo com sua importância para minimizar a distração;
05 — Certificar-se de que os usuários possam encontrar facilmente a opção de cancelar a assinatura ou excluir sua conta, se assim quiserem.
“O bom design é honesto.”
– Rams
É claro que a discussão sobre ética dentro do desenvolvimento e da relação produto/usuário não cabe, apenas, em metodologias, fórmulas e listas. Entraremos em dilemas éticos diariamente e nossas decisões serão tomadas na forma como enxergamos os usuários dos nossos produtos. Devemos analisar métricas e utilizá-las para melhorar o negócio, mas isso nunca pode estar acima dos direitos e das necessidades das pessoas.
O design se tornou muito importante e não podemos fugir desse debate. Ser ético não é uma opção. Nossa atividade tem consequências cada vez maiores para a sociedade. Precisamos admitir isso e usar com responsabilidade o impacto que temos nas mãos. Somos responsáveis pelo que colocamos no mundo e precisamos sempre lembrar disso.
Por Carlyson Oliveira, designer de produtos sênior da Jüssi
carlyson.silva@jussi.com.br