Esqueça o que possa ter ouvido sobre aquele profissional que só usava 5 famílias tipográficas. Massimo Vignelli foi muito mais que isso e você se surpreenderá ao descobrir o frescor de seus projetos.
Numa noite do inverno de 1960 descia um Alfa Romeo Berlina 2000 pela colina que termina na fronteira entre Suíça e Itália, região de Chiasso. Incomodado pelo frio cortante, o oficial da guarda aborda o condutor e checa os documentos. O homem, um produtor gráfico milanês, retorna a casa depois de uma jornada de trabalho em Zurique, capital vizinha. Algumas horas depois, da segurança de seu lar em Milão o homem faz uma ligação:
— Massimo, sou eu, Nava.
— Ciao Felice, e aí, como foram as coisas desta vez?
— Feito! Aprendi alguns truques e distribuí melhor o material pelo automóvel. O peso não me denunciou como outrora.
— Bravo! Finalmente chegou a hora de trabalhar a renomada Helvetica.
A estória é real, assim como seus atores. Nava foi um dos grandes impressores italianos de seu tempo e Vignelli um proeminente designer na época. Depois de uma tentativa fracassada na fronteira, Nava finalmente conseguira atravessar portando os tipos móveis de chumbo da Neue Haas-Grotesk, família tipográfica hoje mais conhecida como Helvetica. Tal acontecimento impactaria não só Massimo Vignelli diretamente mas toda a produção de Design no mundo e muito do que vemos na internet atual.
Minha primeira impressão de Massimo Vignelli não foi boa, confesso. Me lembro de uma aula na faculdade, da famosa descrição de um velhinho designer italiano que não trabalhava com mais de 5 famílias de fontes diferentes e desprezava toda e qualquer produção tipográfica de então. Para ele simplesmente não havia motivo para a invenção de novas fontes, o que me parecia arbitrário e absurdo. Fiquei com isso na cabeça, esqueci-o por uma década. Quis o destino que em Milão, sua cidade natal, eu voltasse a descobrir seu pensamento e obra que hão de ecoar por muitos anos — ainda que tal senhor simpático tenha nos deixado em 2014.
Por razões geográficas a educação em Design de Vignelli foi bastante baseada na produção suíça, com o famoso Estilo International. Nascido em Milão, norte da Itália, a poucos minutos da fronteira, ele foi responsável pela criação de sistemas gráficos que tiveram (e ainda tem!) bastante relevância nos dias de hoje. Sua produção e pensamento serviram para pavimentar o pensamento modernista que o influenciou, desde o início do século 20. Como ele mesmo costumava dizer, seus projetos são “semanticamente corretos, sintaticamente consistentes, pragmaticamente compreensíveis, visualmente poderosos, inteligentemente elegantes e, sobretudo, eternos.”
Hoje, ao considerar suas palavras e a sociedade na qual estava inserido é interessante notar o quanto era um homem à frente de seu tempo. Dizia-se um combatente da vulgaridade e da falta de sentido na Comunicação Visual. Defendeu o controverso uso de “uma meia dúzia de famílias de fontes” durante toda sua vida, tendo um ponto bastante claro. Ao tratar de Tipografia costumava trabalhar com ‘as melhores’ e não acreditava em inovação por inovação. Se as soluções inovadoras não proviam um resultado melhor que as estabelecidas considerava que não é papel do Designer optar pelo novo e sim pelo bom. Para Vignelli os designers devem considerar seus clientes e produtos finais, deixando um pouco de lado a ‘variação criativa’ de sua produção pessoal e portfólio.

Em 2013, então com 82 anos, ele concedeu uma maravilhosa entrevista a Debbie Millman para o programa Design Matters tratando com entusiasmo de temas como o futuro do Design e o universo Digital — um ‘tapa na cara’ de quem o considerava um sujeito ultrapassado por defender a Disciplina acima da Inovação Criativa nos projetos de Design. Na entrevista também defendeu as publicações digitais (e-books) e lamentou que essa nova realidade tenha chegado já no fim de sua vida. Durante seu discurso também deixou marcado o que acreditava ser necessário para a formação de designers melhores em sala de aula. Ao invés de tantas outras matérias, basicamente os professores deviam se focar em História do Design, Teoria para Produção e Análise Crítica dos projetos. Neste ponto não poderíamos concordar mais. ?
Para dar uma melhor noção de sua visão profissional filtrei alguns pontos interessantes de uma outra entrevista, concedida a Nicola Matteo Munari no blog Design Culture.
M: Qual o projeto que você ainda gostaria de realizar?
V: Uma Identidade Visual Corporativa para um país, como a Itália ou o Vaticano por exemplo. Eu diria ao Papa: “Vossa Santidade, o logo está OK mas todo o restante é ruim, vamos eliminar!”
M: Criar uma nova fonte ou utilizar o que já existe por aí?
V: Existem basicamente duas famílias tipográficas: Com Serifas (Serifs/Elzevirs) e Sem Serifas (Sans-serif/Grotesks). Para as duas vertentes existem ótimas famílias tipográficas e o restante é produção comercial. Entendo que as pessoas precisam trabalhar e produzir fontes por que isso hoje é um mercado. Mas eu não as preciso utilizar. Entre as serifadas destaco Garamond, Bodoni, Baskerville, Century Expanded e Clarendon. Para o uso de não serifadas temos Futura, Gill Sans, Helvetica, Univers e Optima. Até acredito no uso de fontes diferentes para títulos e logos, não creio em fundamentalismos. Mas nada mais que isso. Por fim, não há a real necessidade de novas fontes. O que importa é a estrutura tipográfica e não a família de fontes que se usa.
M: Design é arte?
V: Design não é Arte. Design pressupõe utilidade, Arte não. Apesar de útil a Arte não requer uso. Arte e manufatura são manuais por natureza enquanto o Design nasce para ser industrial.
Massimo Vignelli deixou uma jóia para todos nós designers. Um guia, quase um manual, chamado de Vignelli’s Canon. Neste livro ele explica suas ideias e processos, conteúdo primordial para se evoluir como Designers. Você pode baixar e ler grátis aqui! Como o material é todo em inglês traduzi alguns tópicos para aguçar e estimular a leitura completa depois.
Elementos Intangíveis do Design
Semântica (Significado)
Infelizmente, existem designers e profissionais de marketing que olham para o consumidor como uma casta mais baixa, definindo que a vulgaridade é que têm apelo junto às massas, o que justifica uma produção contínua de material cru, sem sentido e vulgar. Considero isto um crime, uma vez que a poluição visual degrada o ambiente assim como o fazem também outros tipos de poluição.
Sintaxe (Elementos)
A consistência em um projeto é fornecida pela relação adequada dos mais variados elementos sintácticos. Por exemplo, como a Tipografia se relaciona ao Grid de página a página, considerando imagens e ilustrações. Ou como é definida a relação entre manchas de texto de diferentes tamanhos. Ou ainda, como imagens se relacionam entre si e em relação ao todo.
Pragmatismo
Defendo a produção de Design muito além de moda e modismos passageiros. Prezo pelo Design atemporal. Desprezo a cultura da obsolescência e sinto um apelo moral de projetar coisas que durem.
Disciplina
A atenção aos detalhes requer disciplina. Não há espaço para falta de atenção, desleixo ou procrastinação. Cada detalhe é importante pois o resultado final é a soma de todos os detalhes envolvidos no processo criativo, seja lá o que tenhamos de projetar.
Adequação
A adequação transcende qualquer questão de estilo. Existem muitas maneiras de se resolver um problema, muitas formas de abordagem. Mas o relevante é que encontre-se a solução adequada, qualquer que seja o caso. Penso que temos de ouvir o que as coisas querem e precisam ser, ao invés de enquadrar tudo em um confinamento arbitrário.
Ambiguidade
Tenho uma interpretação positiva do termo Ambiguidade. Entendo que seja uma pluralidade de sentidos ou a habilidade de conferir a um objeto ou Design a possibilidade de ser entendido de diferentes formas — enriquecendo e aprofundando o conteúdo. Sempre gosto de trabalhar esta abordagem para expandir a expressão de meus projetos e valorizar o resultado final.
O Design é um só
O Design é sempre um só — sem toda esta ramificação que vemos hoje. Acredito que a disciplina é una e pode ser aplicada a diferentes assuntos, independentemente de estilos. Com muita frequência vejo pessoas considerarem Design um estilo em particular. Nada é mais errado que isso! Design é uma disciplina, um processo criativo com regras próprias a fim de atingir o objetivo da forma mais direta possível.

Poder Visual
Gosto de projetar coisas visualmente poderosas. Jamais aceitarei projetos fracos em conceito, formas, cores e/ou texturas. Design é sempre uma expressão de poder visual que exprime conceitos claros em formas interessantes e cores belas — com cada elemento a reforçar o conceito de forma contundente.
Elegância Intelectual
O que chamo de elegância intelectual é um nível sublime de inteligência, como o que produziu obras de arte da História da humanidade. É a elegância abstrata que se encontra nas estátuas gregas, nas pinturas renascentistas, nos textos de Goethe e em muitas mentes criativas. É a elegância da Arquitetura de qualquer período, da Música e do pensamento científico através dos tempos.
Atemporalidade
Sou frontalmente contra qualquer tipo de moda no Design. Desprezo a cultura da obsolescência, do desperdício, do culto do efêmero. Reprovo a demanda por soluções temporárias, o desperdício de energia e capital em nome de novidades.
Responsabilidade
Acredito que como designers, possuímos três níveis de responsabilidade. Em primeiro lugar para com nós mesmos, para com a integridade do projeto e de todos seus componentes. Em segundo lugar para com nossos clientes, buscando resolver seus problemas da forma mais econômica e eficiente possível. E em terceiro para o público geral, os consumidores ou usuários a quem seu projeto será dirigido.
Equidade (Retidão)
Talvez por que eu tenha vindo de um país onde a História e a Arquitetura vernacular são partes da cultura do território e são protegidos como tal, considero logotipos estabelecidos como algo que merece uma proteção similar. A noção de equidade de uma marca tem estado comigo e minha equipe desde o início de nosso trabalho. Por exemplo, quando nos pediram para que desenhássemos um novo logo para a Ford Motor Company o máximo que fizemos foi propor um leve retoque na antiga, algo que se ajustasse às aplicações contemporâneas — nada mais que isso.

Tangible elements of Design
Grids
Nada pode ser mais útil para atingir nossas intenções do que o Grid. O Grid representa a estrutura básica do Design Gráfico ajudando a organizar o conteúdo e garantindo consistência. Ele certifica uma visão ordenada dos elementos e projeta uma elegância intelectual que gosto de empregar — ainda que apresente elementos dispersos.
Tipografia
O advento do computador pessoal gerou um fenômeno chamado Desktop Publishing. Isso possibilitou todo e qualquer tipo de distorção e mau uso da Tipografia. Foi um desastre de megaproporções, uma poluição cultural de dimensões incomparáveis. Como eu disse uma vez, se o mesmo fenômeno tivesse ocorrido na Medicina estaríamos todos mortos!
Os computadores também simplificaram a tarefa de desenhar fontes e isso significou uma explosão de novas opções sem suficiente qualidade. Uma vez preparei uma exibição mostrando meu trabalho, justamente para chamar a atenção para este caso da Tipografia. Percebi então que só havia usado quatro fontes: Garamond, Bodoni, Century Expanded e Helvetica.
Assim concluí que não são as famílias tipográficas que importa mas sim o que se faz com elas. O enfoque deve se dar na estrutura e não nos tipos.
Contraste em Tipografia
Um dos elementos mais interessantes pontos a ser trabalhado em Tipografia é o contraste da escala. Amo equilibrar um texto bem grande, uma chamada, e um pequeno texto de conteúdo, trabalhando bem o espaço em branco entre eles. Este espaço em branco (respiro), aliás, é um elemento primordial na composição gráfica. É justamente o vazio que promove o destaque de um elemento. Este respiro na Tipografia equivale ao espaço na Arquitetura. A articulação deste espaço dá o tom correto à Arquitetura.
Layout
Finalmente, quando tratamos de layout, penso que o mais importante dispositivo neste caso seja o uso do espaço em branco. O espaço de respiro, ou espaço em branco como se diz, é o que faz o layout brilhar. Layouts ruins não possuem espaço algum de respiro — todo e qualquer espaço é utilizado e coberto por uma cacofonia de linhas de texto, imagens e títulos berrantes.

Há muito mais a se dizer sobre Massimo Vignelli mas seu trabalho e ideias já falam por si próprio. No futuro tratarei do projeto do Metrô de São Paulo, que teve parte criada pelos arquitetos Ludovico Martino e João Carlos Cauduro e parte conduzida pela Unimark, empresa de Vignelli.
Finalizo este artigo pedindo que a comunidade do Design se atente e abrace as ideias de Vignelli para melhor entender e dominar a disciplina. Celebremos o amor pelo trabalho e a luta eterna de Massimo Vignelli pelo futuro do Bom Design.
Para terminar, um conselho do mestre:
Aprofundem seu conhecimento em História do Design e aprendam tudo sobre seus protagonistas. E não se esqueçam de aprender as teorias que determinaram o desenvolvimento do Design. Desenvolvam uma atitude crítica e a refinem constantemente. Por fim, filtrem e avaliem sempre tudo que vos rodeia.